Sexta Confissão

Confissões

Cada cabeça é um mundo e cada um tem o universo que pode ter de acordo com o que consegue ver, sentir e abstrair.

Existem mundos pequenos, mundos grandes, mundos enormes.

Desde que descobri que poderia construir um mundo do tamanho que eu quisesse, trabalho a minha consciência para fazer crescer o meu mundo.

No filme “Deus é brasileiro” há uma frase que, em minha opinião, é muito lúcida: “Deus foi o homem quem inventou, mas isto não significa que ele não exista”.

E, no mundo que criei para mim, tem um Deus. Meu Deus, planta, eu colho e replanto como aprendi com ele. Meu Deus liberta, libertou e não aprisiona ninguém.

Alguns amigos já me disseram que a minha vida daria cinquenta filmes. É possível.

Saí de casa aos quinze anos porque nunca quis convencer a minha família das minhas convicções e, ali, era a casa deles e de suas convicções.

Até os quarenta anos não tive uma casa, um lar. Morei na rua, na favela, no cortiço, em um terreiro de candomblé, na rodoviária de Salvador, depois na casa de algumas pessoas, mas não era o meu mundo e eu trocava de casa buscando construir o meu.

No meu mundo não se humilha ninguém. No meu mundo respeito é importante. Respeito todas as religiões, crenças, pessoas e, no meu mundo, só fica quem combina com estas minhas convicções.

No meu mundo não existe melhor ou pior, todas as pessoas são importantes. Tudo é importante, a alegria, a serenata, o ritual, o samba, a vela, a prece, a comida para quem chega, o sorriso e os abraços apertados.

As vezes ouço por aí que o meu problema é buscar o mundo perfeito e dizem que ele não existe. Eu me pergunto, como sabem tanto sobe coisas que dizem não existir?

Meu mundo é perfeito e imperfeito, aperfeiçoo-o e ele melhora. Descubro outras imperfeições, volto a aperfeiçoá-lo e sigo neste ciclo.

Se o mundo perfeito existe ou não existe eu não sei, simplesmente o procuro e, se ele existe, um dia me encontrará. Procurar por ele me basta!

A tristeza, a inveja, o rancor, as perseguições, o preconceito, a discriminação são frutos da acomodação. É muito mais fácil dominar uma sociedade preconceituosa, presa e triste.

Como não procuro ninguém para governar, dou conta das dificuldades de procurar o mundo perfeito. Pago o preço do trajeto.

Tenho alguns familiares que me odeiam, tenho outros que me amam. Tenho muitos amigos e nenhum inimigo.

Entendo a adversidade como saúde e individuação.

Preciso ser o que sou porque preciso do amor verdadeiro. Para mim é importante um amor sem máscaras, sem ilusões, sem fantasia. Fantasia amorosa, acredito, é conseguir gostar da minha realidade.

Gosto mesmo é da multiplicidade, da miscigenação.

Preciso da natureza para viver e tenho total consciência desta necessidade. Pago o preço de morar no mar, na ilha, na fazenda, com lama, buraco, sem telefone, sem internet, mas não pago o preço de morar no carro com ar condicionado, passar algumas horas para dormir o sono intranquilo dos apartamentos com grades, câmeras, armas, tiros. Prefiro a vida. Assim fui construindo o meu mundo.

Já trabalhei na feira, fui engraxate, já pedi carona, morei oito meses na estrada, trabalhando como ajudante de caminhoneiro. Assim fui construindo a minha profissão, aprendendo a ser terapeuta, trabalhar com a cura.

Quando vejo médicos sem fronteira, cientistas sem fronteira, penso em um rótulo para mim: Pessoa sem Fronteira.

A minha vida foi minha maior escola. Minha liberdade me fez abrir para estudar. É preciso ser livre para ser estudioso. A curiosidade é um talento da liberdade.

Este meu jeito de ser me levou a conviver com a cultura negra, branca, indígena e tudo para mim foi e é importante.

Aprendi a rezar com a rezadeira. Medicamento com o raizeiro. Espiritualidade com os espíritos. E foi assim.

Hoje moro em uma casa, tenho família por total liberdade de escolha, tudo o que vivo foi escolhido por mim e sinto o meu mundo enorme, o meu Deus planta, e eu colho. Assim passo os dias.

É esta a minha confissão de hoje.

Aproveito o momento para explicitar que estes textos, intitulados “Confissões de Halu”, são confissões mesmo. Sinto necessidade delas. Quando as faço não me preocupo se é um livro, uma crônica, não tem formato. Estes textos são o reflexo do espelho do meu mundo livre, espontâneo, fluido, verdadeiro, autobiográfico, a propósito, os meus livros sempre são autobiográficos.  Entendo ser importante transmitir como foi que aprendi os meus conhecimentos.  Vivo tentando fazer um livro técnico, contendo informações produzidas pelos meus aprendizados. Nunca consegui, prefiro contar a minha história, a forma que vivi quando estava aprendendo, enriquecendo-me de conteúdos dos saberes limpos, das fontes de água limpa que bebi.

Preciso contar o milagre e revelar o santo, da mesma forma sempre preferi nenhum pássaro na mão e dois voando. Admiro a água mole que respeita a pedra dura. Fui um ferreiro que fez uma casa de ferro. Fui aprendendo com os provérbios a ser uma pessoa melhor.

Assim sou eu.

E aí vieram as iniciações africanas, meu contato com a espiritualidade, a ampliação dos meus chakras e da minha consciência cósmica.

Digo vieram porque nunca fui buscar, aconteceram no caminho por onde andava, encontraram-me na minha estrada, portanto não sei se existe mundo perfeito. Eu o procuro nos caminhos do amor, da fraternidade, dos direitos humanos, do respeito a tudo que nasce e espero que eles me encontrem.

Eu sei que uma onda imensa está para passar.

Eu quero estar no meu lugar, fazendo o que faço. A onda da desilusão, da desumanização, da bestialização quando me vir não vai me querer. Sempre fui inútil para os interesses mesquinhos.

Tomada de amor por tudo e por todos os que amo,

Halu Gamashi
Agosto de 2014

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