Em uma cidade, cujo nome não é importante, acontece uma cena angustiante: sentado em uma cadeira de praça encontramos um homem chorando muito, desesperado, atormentado, quase louco pela dor que o invade. Perto dele um mendigo se apoia em uma bengala sorrindo muito feliz, a felicidade emanava do seu sorriso, suas mãos e seu olhar. Alguém o interpela:
– Meu Deus, o que está acontecendo com este homem? Por que chora deste jeito?
E o mendigo, em estágio de encantamento, sorrindo responde:
– Ele está encontrando a Felicidade.
Quem o interpelou agora o acusa:
– O senhor é louco? Seu miserável, não vê o estado em que este homem está?
E o encantado mendigo responde:
– Vejo, por isto sei que o próximo estágio será o encontro com a Felicidade.
Um outro transeunte os aborda:
– O que é que você fez com ele, seu monstro? Quando passei vi vocês dois conversando e agora, quando retorno, encontro este homem assim. O que você fez com ele seu desgraçado?
Sorrindo, em estado de encantamento, o mendigo responde:
– Mostrei a ele o caminho da felicidade.
Duas vozes falaram ao mesmo tempo enquanto o homem chorava desesperado e o mendigo sorria para o sol:
– Você é louco? Você deu alguma droga para ele? Seu criminoso!
Concluindo que não havia condições para diálogos o mendigo com sua bengala se afastou. Os dois defensores do homem que chorava seu desespero clamaram por outros transeuntes e juntos apedrejaram o mendigo. As pedras lhe bateram nas costas, das costas para o chão carregando um tanto do seu sangue – o que fará está pedra com este sangue? O mendigo não me responde e segue andando com dificuldade. Por sorte, logo encontra uma floresta, entra no mato e some. De certa forma eu o acompanho e o vejo se despir de sua veste, sentar-se sobre ela. Vejo-o se levantar, dirigir-se as folhas, selecionar algumas, voltar a sentar, mistura-las. De repente parou, voltou a vestir suas vestes, caminhou pelo mato e saiu em outra cidade. O seu semblante era sereno mas será que existe serenidade que impeça a manifestação de uma dor? Não sei. No mendigo a dor se manifestava por dentro e por fora de seu olhar sereno, sentou-se num banco da praça e uma autoridade policial ordenou que saísse dali. Ele andou um pouco mais e, tomado pela dor, sentou-se no chão para descansar um pouco, acho eu, quando de repente alguns transeuntes passaram a lhe atirar moedas. Ele as recebia, encontrou para as moedas um espaço na parte inferior das suas vestes, como um tapete para as moedas e elas se multiplicaram, O mendigo continuou ali, no final da tarde um certo transeunte lhe trouxe um sanduíche e disse:
– Dinheiro eu não lhe dou para você não tomar álcool.
– Muito sábio – respondeu o mendigo que começou a comer o sanduíche.
– O que você está fazendo aqui? – perguntou o transeunte.
– Esperando alguém que me ajude. Você pode me ajudar?
O transeunte respondeu:
– Eu já não te ajudei?
– Sim, por isto te peço mais uma ajuda.
– O que você quer agora?
– Preciso que alguém me ajude a entrar na floresta onde deixei coisas importantes para mim.
– Na floresta? – indagou assustado.
– É logo ali. – o mendigo aponta para o transeunte a saída, ou entrada, por onde saiu da floresta e quer retornar.
Penalizado com o mendigo o transeunte perguntou:
– É muito longe?
– Para você será um pouco longe porque estou muito velho e ando devagar, se andasse mais rápido será mais perto.
O transeunte pensou, final da tarde… chegada do frio… Mas não conseguiu abandonar o mendigo ali.
– Está certo, irei com você. Mas saiba que estarei atento, se for alguma armadilha…
O mendigo respondeu:
– Não há melhor companhia que aquela que consegue ficar atenta às armadilhas.
Pegou sua bengala, aprumou entre as mãos e o chão e se ergueu com dificuldade. Antes de se erguer juntou todas as moedas que estavam nas suas vestes, eram muitas moedas, e as entregou ao transeunte pedindo que as guardasse com ele.
Naquele momento o transeunte estranhou mas, enfim, guardou as moedas consigo e passou a prestar atenção a bengala e pensou isto também pode ser uma arma, e de madeira pura.
– Posso ver sua bengala? – perguntou.
O mendigo entregou, ele reconheceu a força da bengala e concluiu que poderia ser uma arma. Tomado de medo falou:
– Posso ir com você, mas esta bengala vai comigo.
O mendigo olhou profundamente nos olhos do transeunte e viu a extensão do seu medo, da sua insegurança e aquiesceu.
– Você vai na frente. – disse o transeunte.
O mendigo com muita dor e sem o auxílio da bengala começou a caminhar, adentrou a floresta e foi no seu passo de idoso ferido. Passados alguns minutos o transeunte perguntou:
– Está perto?
O mendigo respondeu:
– Para você está muito perto, para mim não está tão perto.
O transeunte estava curioso, a mesma força que o atraia trazia a sua oposição para que ele fosse embora, mas a curiosidade venceu e ele foi seguindo o mendigo até que chegaram onde o mendigo havia recolhido suas ervas. Ele sentou com a dignidade dos feridos que estão acostumados a carregar suas feridas e mostrou as ervas reunidas para o transeunte.
– Vou amassa-las, mistura-las e peço que coloque nas minhas costas, minha mão não alcança.
Olhando as costas do mendigo o transeunte olhou para a bengala nas suas mãos e a entregou. Permaneceu muito calado e introspectivo esperando o mendigo misturar as ervas para colocá-las nas suas feridas.
– Veja bem – disse o mendigo – tantos anos de vida e ainda não aprendi a proteger as minhas costas.
O transeunte introspectivo, quase chorando, perguntou:
– Quem fez isto com você?
– Eu mesmo porque ainda não aprendi a defender as minhas costas.
Terminada a tarefa, o mendigo se despediu do transeunte:
– Peço-lhe mais duas ajudas.
O transeunte emocionado e confiante respondeu:
– Eu as farei.
– Leve consigo estas moedas que para mim só seriam um peso, eu como da floresta e os meus remédios estão aqui. Não saberia o que fazer com estas moedas. Leva consigo também a minha bengala, não quero pensar que por um momento ela foi usada para me ameaçar. – tirou da parte inferior das vestes um imenso facão e continuou falando com o transeunte – não se preocupe eu tenho como fazer outra bengala para mim.
O transeunte entendeu a mensagem e se despediu levando as moedas e a bengala. Quando saiu da floresta, com as moedas e a bengala na mão, o policial que abordou o mendigo o abordou:
– Esta bengala era do mendigo.
Viu que o transeunte chorava, chorava muito e não conseguia responder.
– De onde vem estas moedas? – inquiriu o policial.
O transeunte chorava desesperado e com o resto da força que lhe sobrava apontou para a saída, que também poderia ser uma entrada, da floresta.
– Entendi. Você roubou mendigo, tirou-lhe as moedas e a bengala. Olha só que bengala, de madeira pura, deve valer muito.
O transeunte apenas chorava. O guarda, mais que depressa o algemou, empurrou-o para frente, entrou na floresta por onde também podia ser uma saída.
O transeunte chorava a sua dor, o que começava a perceber do mundo, de si mesmo, das pessoas, dos conceitos, dos preconceitos insuflados pela ignorância. Não se incomodou com o policial, com as suas mãos para trás algemadas, levou-o até onde estava o mendigo. Encontraram-no sentado, comendo algumas raízes. O policial perguntou:
– Que mal este homem fez a você?
– Nenhum.
– Tem certeza?
– Sim, ele me ajudou muito, me trouxe aqui e ajudou a curar minhas feridas.
– Foi ele quem fez isto? – inquiriu o homem fardado.
– Não, ele me ajudou a colocar os remédios.
– Ele está com suas moedas e sua bengala.
– Fui eu quem dei a ele.
– Por que ele está chorando deste jeito, neste desespero?
– Porque está aprendendo a ser feliz. Infelizmente não pude ensinar a proteger as costas, olhe as minhas, eu nada sei de proteger as costas e por isto ficarei aqui, não sairei mais da floresta, não sei proteger as minhas costas e aqui não preciso de proteção. Dei lhe as moedas para não carregar pesos inúteis. Ele se sentiu seguro carregando a minha bengala então dei a ele, mas vejo que a bengala também não o ajudou a proteger suas costas.
Ouvindo tudo isto o policial tirou as algemas do transeunte que voltou a ter os braços livres e continuava chorando copiosamente. A situação se inverteu, o policial inquiriu o mendigo:
– Você deu a ele alguma erva, alguma droga?
O transeunte respondeu entre lagrimas:
– Nada comi ou bebi da mão deste homem, eu posso lhe garantir.
– E por que chora tanto?
– Porque descobri que por não saber me proteger posso ser uma ameaça.
Halu Rama
Blackpool, UK, 9.10.2016
Grande história… Que lição de vida., Quanto mais sabemos de menos necessitamos ❤️❤️